
A chamada “bênção apostólica” não é nenhuma novidade no meio evangélico. Ela é tão comum e conhecida como a tradicional leitura feita nos cultos de Santa Ceia (1 Co 11:23-34). Mas, assim como os católicos se prostram diante das imagens sem saber o fundamento de tal prática, do mesmo modo os evangélicos curvam as suas cabeças e abrem suas mãos estendidas em direção ao céu para receberem a dita bênção.
A bênção apostólica é proclamada sempre ao final de cada culto, sendo que somente o pastor local é quem tem a “competência espiritual” para “impetrá-la”. A mesma nada mais é do que o versículo final da segunda carta de Paulo aos coríntios “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós. Amém” 2 Co 13:13; palavras estas que são simplesmente uma oração de Paulo clamando em favor dos mesmos.
No que pese o seu valor espiritual, por se tratar de uma oração proferida em nome da Trindade, a qual ainda engloba em sua petição três fatores fundamentais na vida de qualquer cristão (graça divina, amor divino, e comunhão divina), a referida “bênção”, nos moldes como vemos ela hoje sendo praticada nos cultos evangélicos, não passa de uma prática sem o menor respaldo neo-testamentário.
Não quero aqui ser contencioso, nem mesmo ser o causador de uma mudança de prática eclesiástica, mas tão somente fazer um esclarecimento bíblico, para que assim cada crente possa conhecer melhor uma prática tão comum em nosso meio.
Essa “bênção apostólica” (ou oração) nada mais é do que uma herança do catolicismo romano, a qual remonta em sua origem para a bênção aarônica (ou araônica, também conhecida entre os judeus como Nesiat Kapayim, i.e., estender as mãos), assim chamada a bênção descrita em Nm 6:23-27. Assim se expressou o Papa Leão XIII em sua Carta Encíclica Inscrutabili Dei Consilio:
“
A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, a caridade de Deus e a comunicação do Espírito Santo sejam com todos vós (2 Cor 13, 13), Veneráveis Irmãos, e é de todo coração que, a Vós e a cada um em particular, bem como aos Nossos caros filhos o clero e os fiéis de vossas Igrejas, concedemos a bênção apostólica como penhor da Nossa especial benevolência e como presságio da proteção celeste”.
Na verdade todos os cristãos estão autorizados a abençoar e a orar por quem quer que seja (At 12:5; Rm 12:14; Ef 6:18; Cl 4:2,3), diferentemente da Antiga Aliança, onde havia a figura do sacerdote como o principal responsável pelo ministério da oração e da ministração da bênção (cf. Lv 9:22; Dt 21:5; Js 8:33; 1 Cr 23:13; 2 Cr 30:27). Destaque-se que na Nova Aliança todos os crentes são como sacerdotes (Ap 1:6, cf. 5:10), o que implica dizer que todos tem a competência para exercer o ofício da oração e da ministração da bênção.
Esclareça-se, ainda, que não somos nós em si que abençoamos, mas, como já exposto, apenas oramos pedindo uma bênção sobre alguém (podendo Deus conceder a mesma ou não), haja vista que “Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação” Tg 1:17, cf. Nm 6:24 e Rt 2:4. Portanto, nenhum crente, independentemente do cargo eclesiástico que ocupa, é detentor de uma unção especial para conceder determinada bênção em detrimento da incapacidade espiritual dos demais. Crer que somente o pastor de uma igreja local é quem tem autoridade para conceder determinada bênção é o mesmo que estar colocando nele a origem da mesma, dando a ele a posição de detentor e distribuidor da bênção, o que contraria o acima exposto.
As palavras de 2 Co 13:13 recitadas ao final de cada culto não podem ser tidas como palavras milagrosas ou mágicas. Lembremos que Deus condena a repetição de palavras na oração (Mt 6:7), bem como que Paulo não repetiu no encerramento de nenhuma outra carta a oração de 2 Co 13:13. Além do mais, antes das palavras em si que são usadas para se pedir algo, a fé é bem mais importante em uma oração (Hb 10:22, Tg 1:6,7).
A referida “bênção apostólica” não é uma bênção especial, mais nobre do que as demais orações abençoadoras, mas tão somente é um apego literal a uma passagem do Novo Testamento. Sua prática e observação não vem a ser um pecado em si, pois, como já dito, a ordem bíblica é para sempre “abençoarmos” (i.e., pedirmos a bênção sobre alguém), e creio que a fé e a boa intenção das pessoas envoltas na “bênção apostólica” acabam-na tornando eficaz em alguns casos.
Então a mesma deve acabar? Não digo que sim, e nem digo que não. Digo que cada igreja deve ter ciência da verdade bíblica aqui exposta, e assim decidir o que achar melhor, ou simplesmente deixar que o tempo e o costume digam o que deverá acontecer com a “bênção apostólica”.
Mas que a referida “bênção”, como a vemos hoje no final de cada culto, foge da sistemática bíblica, isso é um fato inconteste!
Fonte: Anchieta Campos